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14/06/2022

Pesquisador do INI participa da descoberta de possível nova espécie de carrapato


Texto: Alexandre Magno* / Ed.: Juana Portugal / Fotos: Renan Melgaço e Fiocruz Pernambuco

Mauro Marzochi, pesquisador Sênior do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), médico e doutor em Parasitologia Aplicada, foi o responsável pela coleta dos primeiros exemplares de uma possível nova espécie de carrapato em Teresópolis (RJ). A descoberta foi encaminhada para o pesquisador Filipe Dantas Torres, no Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco), para análise morfológica e genética, e os achados foram publicados no artigo Ornithodoros cf. mimon infected with a spotted fever group Rickettsia in Brazil, na prestigiada revista Acta Tropica. O estudo contou com a colaboração dos pesquisadores Kamila Sales e Lucas de Souza Paula (Fiocruz Pernambuco), Sebastián Muñoz-Leal (Universidad de Concepción - Chile), Jonas Moraes Filho (Universidade Santo Amaro) e Marcelo B. Labruna (Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP).

Mauro Marzochi atua no Laboratório de Pesquisa Clínica e Vigilância em Leishmanioses do INI e conversou com a Assessoria de Comunicação Social do INI/Fiocruz sobre a nova descoberta.

ACS/INI - O que representa a identificação de uma nova espécie de carrapato para a Pesquisa Clínica?

Mauro Marzochi - Muitas doenças com manifestações hemorrágicas graves e as também chamadas de febres de origem obscura ficam a esclarecer pela falta de conhecimento do agente etiológico envolvido e assim sem o diagnóstico de certeza. Muitas dessas ocorrências podem ser zoonoses transmitidas por insetos vetores e hospedeiros silvestres em ambientes naturais, ou próximos das habitações humanas.

ACS/INI - O olhar do pesquisador que analisou as amostras dos indivíduos que o senhor enviou, fez diferença nessa descoberta ou qualquer outro pesquisador poderia ter chegado à mesma conclusão?

MM - Sabedor de que o pesquisador Filipe Dantas-Torres, do Instituto Aggeu Magalhães de Pernambuco, da Fiocruz Pernambuco, estava envolvido em pesquisas com carrapatos, comuniquei-me por e-mail sobre a situação, acondicionei os exemplares coletados em tubos de vidro contendo álcool 70 graus, para preservação, e em mais de uma remessa enviei os exemplares pelos Correios.

O fato do Dr. Filipe já estar trabalhando com um grupo interinstitucional e internacional de pesquisa em carrapatos, através de sondas moleculares e pesquisa genômica, fez toda a diferença na rápida identificação, presumível, tanto dos carrapatos como da alimentação deles de  sangue humano, além da observação desses carrapatos estarem infectadas com uma bactéria - ainda sem identificação definitiva -, do gênero Rickettsia, normalmente associada à transmissão da gravíssima febre maculosa para seres humanos.

ACS/INI - Como o senhor teve acesso aos carrapatos? Foi uma denúncia? As vítimas da picada eram seus conhecidos?

MM -   A notícia pela imprensa não deixou isso claro.  No caso, o casal de idosos éramos Keyla Marzochi e eu, pesquisadores ainda pensantes... (risos).

Numa situação de campo, um pesquisador parasitologista antenado será capaz de valorizar um achado não usual como de interesse científico e buscar esclarecer o fenômeno com colegas sabidamente especialistas na área e com recursos laboratoriais disponíveis. Eu, no caso, fui uma das pessoas atingidas pelo agravo e como pesquisador e professor de Parasitologia Geral e Aplicada por muitos anos, além da curiosidade científica, adquiri também experiência em coleta, preservação e transporte de amostras de materiais biológicos.

Minha mulher, Keyla Marzochi, e eu, frequentamos há mais de 20 anos uma residência na zona rural de Teresópolis. A partir de 2019, principalmente nas noites mais frias, vínhamos sendo incomodados com possíveis picadas de insetos durante a noite que deixavam uma reação pruriginosa muito intensa no local das picadas, de regra mais de uma. As picadas evoluíam com nódulos nesses locais e o prurido durava várias semanas, até meses, e não se resolvia com o uso associado decorticosteroide e antibiótico locais, nem de anti-histamínico e até corticoide e sistêmicos.

Suspeitamos, de início, que seriam pulgas ou carrapatos dos cães e gatos que lá existiam, assim como de borrachudos de gramado. Como ouvíamos à noite barulhos de pássaros ou morcegos entre o forro de lambris de madeira e o telhado de cerâmica, no quarto de dormir, acima de nossa cama, resolvemos calafetar as frestas com pasta de silicone, sem sucesso.

Numa manhã, após uma noite muito fria, promovemos então uma busca mais apurada nos lençóis, travesseiros, fronhas e piso do quarto e encontramos vários exemplares de adultos e ninfas que me pareceu serem de pequenos carrapatos de carapaça mole, típicos da Família Argasidae.

Considerando que esta era uma situação não usual, pelo tempo que lá frequentávamos e pela falta de relatos dos moradores mais antigos sobre esse tipo de ocorrência, achamos por bem tentar esclarecer cientificamente essa situação.

ACS/INI - Quando o senhor teve contato com os carrapatos, já desconfiava tratar-se de uma nova espécie? Se sim, por quê?

MM - Era algo diferente do conhecido ou esperado e, portanto, algum fator biológico ou ambiental estaria por trás do comportamento do inseto. A atividade maior desse Ornithodoros em Teresópolis era durante o inverno, diferente do observado entre as demais espécies, conforme observou nosso filho Saulo Marzochi, que mora numa casa vizinha com teto de laje e sem infestação.

Saulo, inclusive aventou a hipótese desses carrapatos descerem do teto nas noites frias atraídos pelo calor emitido pelas pessoas dormindo logo abaixo. Mas, para caracterizar como nova espécie, além da morfologia somente através de cruzamentos e análises genéticas em laboratório (taxonomia molecular).

ACS/INI - Quantas espécies de carrapatos catalogados temos?

MM - A Família Argasidae (carrapatos moles) é a segunda maior família de carrapatos, e inclui 218 espécies. Algumas transmitem doenças para animais e seres humanos e das 25 espécies conhecidas no Brasil, 19 pertencem ao gênero Ornithodoros que habita cavernas de morcegos e outros ambientes naturais, podendo ser encontrados em habitações humanas, associados a animais domésticos ou sinantrópicos como morcegos e marsupiais (gambás).

O Ornithodoros mimon original é mais comum na Região Centro-Oeste, mas já foi encontrado em vários estados do Brasil, Uruguai e Bolívia. Na cidade de Araraquara (SP), foi encontrado em telhado de uma casa infestada por morcegos.

O Ornithodoros (semelhante ao O. mimon),  de Teresópolis, ainda sem caracterização definitiva, descrito no artigo publicado, até o momento só foi encontrado no Estado do Rio de Janeiro e em países ao sul do Brasil, como Uruguai e Argentina.

ACS/INI – O senhor e a sua esposa tiveram algum quadro clínico diferente do que é apresentado pela picada dos outros tipos de carrapatos já conhecidas?

MM -  Sim, pois diferente da Família  Ixodidae, carrapatos de carapaça dura (carrapato-estrela quando adulto ou micuim como ninfas) que aderem a pele de humanos e de animais através de seu aparelho bucal muito potente, permanecendo fixado por muitos dias, os Argasidae também se alimentam de sangue humano, mas dando reações cutâneas mais precoces e de mais longa duração, formando pequenas nodulações, e sem se fixarem à pele, por isso mesmo encontrados mais espalhados no ambiente.

ACS/INI - Caso outras pessoas encontrem insetos dessa possível nova espécie, podem ajudar avisando algum instituto de pesquisa, por exemplo? O que senhor recomendaria nesse caso?

MM -  Em Teresópolis, fazemos uma campanha junto aos moradores do Condomínio, orientando-os a reconhecerem os telhados propícios a entrada de morcegos e aves e quando identificarem carrapatos semelhantes acondicionarem em recipientes com álcool 70GL, anotando os endereços de coleta, dia e hora, respondendo a um pequeno questionário e entregando na Portaria Principal para serem encaminhados aos pesquisadores.

ACS/INI - Quais são os próximos passos para a catalogação definitiva dessa nova espécie?

MM -  Continuar a  busca de exemplares (adultos, ninfas e larvas) para as análises genômicas,  manutenção de colônia experimental, reprodução do ciclo biológico e cruzamentos, em laboratório;  capturar e identificar morcegos (principalmente) e aves em ninhos nas habitações para identificação dos  ectoparasitos; isolar em cultivo as Rickettsia (a bactéria encontrada nos exemplares enviados para o laboratório) para caracterização genotípica e de patogenicidade, assim como estudar clinicamente os indivíduos suspeitos, aqueles com manifestações alérgicas cutâneas  localizadas de longa duração, correlacionando com as espécies dos parasitos encontrados, etc.

Importante ressaltar que a participação de pesquisadores do INI na descoberta recente de novas espécies de parasitos e suas variantes tem sido bastante profícua.

O LaPClinVigileish nos últimos dez anos descobriu e descreveu um novo tripanosomatídeo, o Trypanosoma caninum, parasito de cães, bem como variantes de espécies de Leishmania em diferentes hospedeiros e ambientes, a partir de estudos de campo ligados a diferentes laboratórios do INI e do Instituto Oswaldo Cruz (IOC).

*com informações do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco)

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