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16/10/2017

Fiocruz desenvolve novo biomarcador para detecção de esteatose hepática


Texto: Antonio Fuchs / Edição: Juana Portugal

Desenvolver uma ferramenta alternativa para detecção de esteatose hepática (doença caracterizada pelo acúmulo de gordura no fígado) através de parâmetros clínicos e laboratoriais evitando a necessidade de realização de uma ultrassonografia ou biópsia do fígado, esse era o objetivo do estudo coordenado pelo pesquisador do INI, Hugo Perazzo, que resultou na criação do biomarcador Steato-ELSA. A pesquisa, premiada como melhor trabalho de hepatologia clínica (Premio Figueiredo Mendes), no XXIV Congresso Brasileiro de Hepatologia, mês passado, reuniu pesquisadores da Fiocruz, Ufes e USP no âmbito do ELSA Brasil (Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto), resultando em um teste desenhado exclusivamente para atender às especificidades da população brasileira.

O trabalho, inédito no país, pode trazer inúmeros ganhos para o SUS, uma vez que permitirá saber a real dimensão da presença de esteatose hepática da população brasileira com um custo baixo, já que o Steato-ELSA funciona aplicando uma fórmula matemática utilizando as informações de saúde da pessoa examinada. Além de Hugo Perazzo (INI/Fiocruz), a pesquisa contou com a participação dos pesquisadores Dora Chor (ENSP/Fiocruz), José Geraldo Mill (UFES), Isabela Benseñor (USP), Antônio Pacheco (Procc/Fiocruz), Maria de Jesus Mendes da Fonseca (ENSP/Fiocruz), Rosane Härter Griep (IOC/Fiocruz) e Paulo Lotufo (USP).

Entenda melhor o que é a esteatose hepática, suas consequências para a saúde e a proposta do Steato-ELSA na entrevista abaixo.

O que é a esteatose hepática?

Hugo Perazzo: A esteatose hepática é o acumulo de gordura no fígado, geralmente associada com fatores metabólicos como obesidade ou diabetes, por exemplo, e pode acometer até 30% da população mundial. Sua taxa vem crescendo nos últimos anos pelo aumento da obesidade, sedentarismo, alimentação industrializada e a falta de atividades físicas. A esteatose pode ser benigna, entretanto, em alguns casos este acúmulo de gordura resulta em inflamação, o que pode provocar desde fibrose (cicatrização do fígado) até uma cirrose hepática. Por isso é importante detectarmos a presença de gordura no fígado de forma precoce para evitar complicações no futuro.

Como é feita a detecção da esteatose hepática atualmente?

Hugo Perazzo: Hoje a esteatose pode ser detectada através de uma biópsia do fígado ou por ultrassonografia. A biópsia (retirada de fragmento do fígado por agulha) é um procedimento invasivo, caro, exige internação, é pouco aceito pelos pacientes e pode estar relacionada com algumas complicações que variam de dor até sangramento local e a necessidade de cirurgia após biópsia. A ultrassonografia é um dos métodos de identificação de gordura no fígado sem a necessidade de biópsia, e é cada vez mais utilizada na prática clínica. Muitas vezes a gordura do fígado é detectada quando a pessoa vai fazer um ultrassom por conta de alguma dor abdominal ou outro motivo de saúde.

A ultrassonografia então é o exame mais eficaz para se determinar a esteatose hepática?

Hugo Perazzo: Eu diria que a ultrassonografia é um exame muito “operador dependente”. Sua correta realização depende da interpretação das imagens pelo médico que realiza o exame. Nos últimos dez anos começaram a surgir alguns scores, ou biomarcadores, que são cálculos que envolvem diferentes fatores antropométricos como sexo, idade, circunferência abdominal, Índice de Massa Corporal (IMC), como exames laboratoriais, para tentar detectar a presença de esteatose hepática sem a necessidade de realização de biópsia do fígado ou ultrassonografia.

Quais são os biomarcadores existentes?

Hugo Perazzo: Temos hoje três biomarcadores descritos na literatura científica, o Fatty Liver Index (FLI), o Hepatic Steatosis Index (HSI) e o NAFLD Liver Fat Score (NAFLD-LFS). Porém, cada um deles foi proposto para uma população específica. Por exemplo, o FLI foi desenvolvido na população italiana, o HSI com coreanos e o NAFLD-LFS em finlandeses. São populações completamente diferentes, mas que nós acabamos utilizando na prática clínica aqui no Brasil. Alguns trabalhos já mostraram que a etnia pode influenciar no desempenho dos testes. Isto quer dizer que aquele mesmo teste pode ter um desempenho diferente quando aplicado na população de chineses ou americanos, por exemplo.

A ideia de criar um biomarcador brasileiro nasceu dessa premissa?

Hugo Perazzo: Exatamente. Os objetivos deste estudo foram avaliar o desempenho destes três biomarcadores na população brasileira e propor um novo biomarcador para ser utilizado no Brasil. O estudo ELSA Brasil (Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto) é uma investigação multicêntrica de coorte composta por 15 mil funcionários de seis instituições públicas de ensino superior e pesquisa, incluindo a Fiocruz, das regiões Nordeste, Sul e Sudeste do Brasil. O ELSA Brasil é uma oportunidade única de, inicialmente, validar esses três testes existentes e, segundo, criar um teste único brasileiro. Temos um grande número de pessoas participando, paramentado numa população que, mesmo não sendo a populacional brasileira, é representativa porque são pessoas de seis cidades diferentes do Brasil.

Foi esse o ponto de partida do Steato-ELSA? Em que ponto está o projeto?

Hugo Perazzo: Sim. Nesse trabalho nosso grupo de pesquisa avaliou o desempenho (conhecido como acurácia) dos três biomarcadores existentes na população de 9.857 participantes do ELSA-Brasil. A partir dos parâmetros, como peso, altura e exames laboratoriais, criamos uma nova fórmula para detecção de gordura no fígado, que é o Steato-ELSA. Observamos que Steato-ELSA tem melhor desempenho quando comparado com os três testes existentes, apesar de tratar-se de um estudo inicial.

Nós ganhamos o prêmio de melhor trabalho de hepatologia clínica (Prêmio Figueiredo Mendes) no XXIV Congresso Brasileiro de Hepatologia, promovido pela Sociedade Brasileira de Hepatologia, entre os 04 a 07 de outubro, em Recife (PE). Eu recebi o prêmio representando a equipe por ser o apresentador do nosso estudo no congresso.

Quais os próximos passos para o Steato-ELSA?

Hugo Perazzo: No momento estamos submetendo o artigo do estudo para publicação em uma revista indexada. Posteriormente, o desempenho do Steato-ELSA para detecção da esteatose hepática será avaliado em novos estudos envolvendo populações distintas com doenças diferentes (por exemplo infecção por hepatites virais ou pelo HIV). A ideia é que este teste seja validado para uso na prática clínica uma vez que pode ser realizado com informações simples como medidas de peso, altura e medida da cintura além de exames laboratoriais.

Como o Steato-ELSA é realizado? Quais os marcadores que são utilizados?

Hugo Perazzo: O cálculo do Steato-ELSA pode ser realizado de forma simples através de uma fórmula matemática que inclui Índice de Massa Corpórea (IMC), circunferência abdominal e resultados da dosagem laboratorial de triglicerídeos, insulina, glicose e transaminases. Futuramente, este cálculo poderá ser realizado por um sistema on-line ou em aplicativos de celulares. Este cálculo também poderá ser utilizado durante uma consulta médica onde suspeita-se da presença de esteatose hepática pelo paciente apresentar fatores metabólicos como diabetes e obesidade.

Então o Steato-ELSA é uma análise estatística dos dados do paciente?

Hugo Perazzo: Ele é um cálculo utilizando dados do paciente em questão. Ele foi desenvolvido baseado nos dados da população avaliada pelo estudo ELSA-Brasil, com quase 10 mil pessoas. Nós utilizamos de análises estatísticas dos dados da população ELSA-Brasil para desenvolver a fórmula do Steato-ELSA.

E como foi realizada a confirmação para validar a fórmula utilizada no Steato-ELSA?

Hugo Perazzo: O Steato-ELSA foi validado na população do ELSA-Brasil baseado na presença de esteatose pela ultrassonografia. Após seu cálculo, o Steato-ELSA fornece um valor entre zero e um. O resultado do Steato-ELSA acima de 0.386 conseguiu classificar a presença de esteatose corretamente 70% dos pacientes. Já aquele acima de 0.403 conseguiu classificar corretamente a presença de esteatose grave em 71% dos casos.

Simplificando, o Steato-ELSA pode ser uma alternativa para detecção de esteatose hepática através de parâmetros clínicos e laboratoriais evitando a necessidade de realização de uma ultrassonografia ou biópsia do fígado. Quando o paciente se encontra com resultados elevados do Steato-ELSA podemos supor que um alto risco de presença de esteatose e sugerir o controle dos fatores que provocam o acúmulo de gordura no fígado, como perder peso, fazer atividade física e controlar as taxas de glicose e colesterol para evitar complicações futuras.

E confirmando a qualidade do Steato-ELSA, ele pode ser levado a todo o país.

Hugo Perazzo: Sim. O Steato-ELSA foi desenhado com parâmetros da população brasileira. Seu bom desempenho do teste precisa ser confirmado em outros estudos. Nossos resultados foram bem recebidos por outras equipes de universidades do Brasil durante o XXIV Congresso Brasileiro de Hepatologia. A colaboração científica com outras instituições vai acelerar sua validação e, uma vez validado, ele pode ser aplicado e utilizado de norte a sul do país.

Você é pesquisador do Laboratório de DST/Aids do INI. Como foi seu envolvimento com o ELSA para chegar a esse estudo?

Hugo Perazzo: Eu sou médico hepatologista do Laboratório de Pesquisa Clínica em DST/Aids (LapClin DST/Aids) do INI e fazendo outros trabalhos, comecei um estudo sobre dados epidemiológicos da mortalidade por doenças hepáticas baseada nos dados do Datasus e nesse período conheci o pesquisador Antonio Pacheco, do Programa de Computação Científica (PROCC/Fiocruz), que trabalha há muitos anos com as pesquisadoras Beatriz Grinsztejn e Valdiléa Veloso, responsáveis pelo LapClin DST/Aids. Então começamos uma parceria no sentido de trabalhar com as doenças hepáticas no Brasil. Como Antonio Pacheco é colaborador do ELSA Brasil, me convidou para discurtimos a análise dos dados da população ELSA em estudo sobre doenças hepáticas. Nossa primeira ideia foi descrever a taxa presença de esteatose hepática na população ELSA utilizando a ultrassonografia para caracterizar o tamanho deste problema no Brasil. A partir disso, pela minha experiência em marcadores não-invasivos, porque meu doutorado foi em métodos não invasivos de fibrose e esteatose, desenvolvemos o estudo com biomarcadores para nosso país, aproveitando o máximo de informações disponibilizadas no ELSA.

Como você considera que esses resultados serão importantes para a chamada terceira onda do ELSA na Fiocruz?

Hugo Perazzo: A participação dos voluntários no ELSA permite a realização de estudos para melhorar o manejo da saúde. A elaboração desse teste visa melhorar o atendimento ao paciente com menos recursos uma vez que podemos detectar a esteatose sem a realização de ultrassonografia ou biópsia. Isso certamente vai gerar uma economia para o SUS.

Além disso, a participação na terceira onda do ELSA-Brasil vai permitir a reavaliação da presença da esteatose no fígado quase 10 anos após a avaliação inicial entre 2008 e 2010. Poderemos re-calcular o Steato-ELSA com os parâmetros da nova visita para avaliar a evolução (regressão ou progressão) do acúmulo de gordura no fígado. A avaliação do estado da saúde atual dos indívíduos do ELSA-Brasil pode fornecer informações importantes para determinar o valor preditivo do teste, ou seja, estimar o risco de evento grave de saúde em 10 anos baseado no resultado do teste. Então, considero muito importante que as pessoas que participaram da primeira e segunda ondas do ELSA-Brasil, participem agora da terceira onda com esse novo biomarcador (Steato-ELSA).

(Fotos: arquivo pessoal)

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