Um estudo pioneiro desenvolvido na Fundação Oswaldo Cruz, fruto da parceria do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI) e do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), demonstrou a relação entre a exposição e/ou infecção de animais de estimação e a infecção de seus tutores pelo SARS-CoV-2, além de analisar a prevalência do vírus em cães e gatos e possíveis alterações clínicas e laboratoriais associadas à infecção animal. O estudo, coordenado pelo médico infectologista Guilherme Calvet, do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doenças Febris Agudas, e pelos médicos veterinários Sandro Antonio Pereira, Isabella Dib Gremião e Rodrigo Caldas Menezes, do Laboratório de Pesquisa Clínica em Dermatozoonoses em Animais Domésticos,do INI, contou com a colaboração do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do IOC, referência em coronavírus da OMS para as Américas, na análise dos casos de 21 pacientes e de seus 39 animais de estimação na região metropolitana do Rio de Janeiro entre maio e outubro de 2020.
A pesquisa, publicada pela revista científica internacional Plos One no artigo Investigation of SARS-CoV-2 Infection in Dogs and Cats of Humans Diagnosed with COVID-19 in Rio de Janeiro, Brazil [1], selecionou o grupo de pacientes de famílias distintas com exame RT-PCR positivo, elegendo partir dali 39 animais de estimação, sendo 29 cães e 10 gatos. Nos casos de pacientes que viviam simultaneamente com outras pessoas, os outros moradores da casa foram convidados a participar mesmo que não apresentassem sintomas de infecção, considerando a possível circulação do coronavírus.
Após a confirmação dos casos humanos de COVID-19, os pesquisadores coletaram as primeiras amostras nasofaríngeas/orofaríngeas e retais dos animais envolvidos para identificar se havia infecção ou exposição ao vírus. Também foram coletadas amostras de sangue para realização de Teste de Redução e Neutralização de Placas (PRNT90) para analisar se os animais desenvolveram anticorpos contra SARS-CoV-2. Os pesquisadores também avaliaram a presença de alterações clínicas e laboratoriais associadas à infecção animal. Foram feitas até três coletas em dias diferentes de cada animal, sendo a última coleta repetida cerca de 30 dias da primeira.
“Os principais resultados da pesquisa demonstram que, de 21 domicílios diferentes, quase a metade apresentava um ou mais animais de estimação positivos para SARS-CoV-2. Foram 9 cachorros (31%) e 4 gatos (40%) infectados ou expostos ao SARS-CoV-2. Os animais obtiveram resultados de RT-PCR positivos de 11 a 51 dias após o aparecimento dos primeiros sintomas de seus tutores. Entre os cães, três apresentaram dois testes positivos realizados num intervalo de 14, 30 e 31 dias. As amostras de sangue determinaram presença de anticorpos contra o SARS-CoV-2 em um cão e em dois gatos”, explicou Calvet, destacando que 46% dos animais infectados apresentaram sinais clínicos leves e reversíveis que podiam estar associados a infecção pelo vírus.
“Este trabalho - fruto da colaboração entre o INI e o IOC - é de grande importância, uma vez que não estava claro, no início da pandemia do SARS-CoV-2, se os animais domésticos poderiam se infectar ou transmitir o vírus. A pesquisa foi bastante meticulosa por analisar, além de diversos fatores, o soro de cães e gatos infectados, demonstrando a neutralização viral pelos anticorpos produzidos por esses animais. É um estudo bastante completo e que contribui para um melhor entendimento da capacidade do novo coronavírus de infectar diferentes espécies animais”, afirmou Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do IOC/Fiocruz.
Como conclusão, o estudo aponta a importância do distanciamento social de humanos infectados inclusive com seus animais de estimação, que podem ser infectados. Foi observado também que animais castrados são mais suscetíveis e que dividir a cama com o tutor eleva o risco de infecção. Os casos apresentados no artigo foram notificados ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil que também notificou os casos na plataforma da The World Organization for Animal Health [2] (OIE).
“A pesquisa só pôde ser realizada pelo trabalho de uma equipe multiprofissional que incluiu médicos, enfermeiros, veterinários, biólogos e estatístico, pelo apoio recebido da diretora do Instituto Nacional de Infectologia, Dra. Valdiléa Veloso e da chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do IOC/Fiocruz, Dra. Marilda Siqueira. Também foram fundamentais os apoios financeiros do Ministério da Saúde (CGLab/MoH), Fiocruz, da FAPERJ e do CNPq. O intenso e meticuloso trabalho de Maria Ogrzewalska, Alex Pauvolid-Corrêa e Paola Cristina Resende, responsáveis pela identificação do SARS-CoV-2 e dos anticorpos nos animais do estudo, também foi muito importante”, destacou Guilherme Calvet.
O que fazer caso o meu cão ou gato seja positivo para o novo coronavírus (SARS-Cov-2)?
Os cães e gatos raramente se infectam com o vírus e dificilmente apresentam doença, que quando ocorre normalmente tem um a evolução branda. Adicionalmente, nos casos de infecção desses animais relatados mundialmente, essa infecção é de curta duração e o vírus é encontrado geralmente em quantidade muito baixa. Essa baixa quantidade de vírus pode explicar o fato de que não há comprovação de que cães e gatos possam transmitir naturalmente esse vírus ou ser fonte de infecção para seres humanos.
A propagação atual do novo coronavírus é resultado da transmissão de humano para humano. Os casos de infecção natural de cães e gatos até o momento foram relacionados a transmissão pelos tutores contaminados pelo vírus.
Até o momento está comprovado que gatos são mais susceptíveis a infecção pelo novo coronavírus do que os cães e podem transmitir esse vírus para outros gatos em condições de laboratório. No entanto, não está comprovada a transmissão do novo coronavírus dos cães para outros cães ou gatos.
Pelos motivos explicados acima, não há motivo para deixar de ter cães e gatos e abandoná-los em caso de estarem positivos para o novo coronavírus. Saiba como proteger seu animal de estimação clicando aqui.
