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20/06/2018

História e cidadania como fatores determinantes no momento político-econômico brasileiro


Texto: Antonio Fuchs e Juana Portugal / Edição: Juana Portugal e Valdir Ermida

“É preciso pensar o passado para escrever o futuro”. Foi com essa afirmação que o sociólogo Jessé Souza deu início a sua palestra no INI, na tarde de 13 de junho, para, por pouco mais de duas horas, dissertar sobre o atual momento político e social que vivemos no país. A atividade fez parte dos Seminários Preparatórios para o Planejamento Estratégico do Instituto e foi conduzida pela diretora Valdiléa Veloso.

Autor de mais de duas dezenas de livros e uma centena de artigos, Jessé Souza é um dos principais pensadores contemporâneos do país e faz uma ampla crítica sobre a interpretação dominante do Brasil de que a corrupção no país é resultado da colonização portuguesa. Focando nos últimos 100 anos de história, o sociólogo lembrou que esse debate começou a ser construído nas décadas de 1920 e 1930, reforçando o pensamento negativo não apenas sobre o brasileiro, mas sobre o Estado como um todo. “Essa ideia foi montada para defender interesses econômicos do poder dominante da época em São Paulo, o agronegócio, principalmente o café, e a forte industrialização. Quando a elite paulistana perde o poder político para Vargas em 1930 - e perde para um movimento de classe média, que estava se formando no país -, ela começa a organizar um poder ideológico para condicionar o poder político a atuar conforme as suas regras, impedindo assim a prosperidade do Brasil”, disse.

Segundo o sociólogo, a população foi levada a acreditar que o Estado é corrupto e montado para fazer o mal. Para ele, entretanto, “o Estado é corrupto porque existe uma elite para saqueá-lo e controlá-lo através do orçamento. A classe média compra essa visão errônea sobre o Estado estabelecida pela elite que não quer perder o poder”. Jessé explicou também que esse discurso é fruto da chamada “santíssima trindade” do liberalismo brasileiro, composta por Sérgio Buarque (que inaugura esse pensamento do país), Raymundo Faoro (que confere a ele uma profundidade histórica, destacando que somos resultado de uma corrupção portuguesa), e Fernando Henrique Cardoso (que transforma isso em teoria e, posteriormente, em um plano de governo).

Na visão de Jessé Souza, durante esse século a esquerda permaneceu a mesma, colonizada por ideias da direita. “Quando a esquerda chegou ao poder, trouxe um plano econômico alternativo e mais inclusivo para nossa sociedade, pensando que alguma mágica vai ocorrer e as pessoas iriam compreender que aquilo é bom para elas. Não foi o que ocorreu. A esquerda nunca fez o que a direita e a elite fizeram e acabou caindo no golpe orquestrado recentemente. Ela quis montar um plano econômico mais inclusivo e, como não tinha uma concepção de estado alternativo, ficou presa às forças que dominavam o poder”. E foi ainda mais fundo: “O golpe foi resultado do ódio ao pobre que estava conseguindo ser alguém na sociedade. A classe média se sentiu incomodada quando o pobre começou a perder seu ‘senso de lugar’, a frequentar shoppings, universidades. Esse foi o crime e não a corrupção. A grande maldade do golpe foi criminalizar a igualdade social”.

Ainda se debruçando sobre o pensamento ideológico do Brasil no século passado, Jessé Souza lembrou que Gilberto Freyre contribuiu com a ideia da democracia racial brasileira, trazendo a miscigenação como um papel fundamental para a construção do conceito de nação. Isso ocorreu ao mesmo tempo em que Getúlio Vargas trouxe para o país uma forte industrialização. “Podemos dizer que Freyre era o Brasil espiritual e Vargas o Brasil material. Apesar de inimigos queriam a mesma coisa, uma unidade nacional. Fazer nosso país ser forte internacionalmente e inclusivo internamente”, destacou. “E, mesmo com toda essa nova visão para o país, a elite do dinheiro sempre trabalhou para não perder o poder, criminalizando o Estado sempre que podia”, completou.

“Existem alguns pontos importantes que permearam nossa história: prejudicar e desvalorizar o Estado para ficar com ele e jogar essa questão seletiva da corrupção, que é sempre contra a esquerda, criminalizar o voto. A República Velha é a do ‘não voto’. A elite quer o Estado sem voto. É exatamente nossa questão atual, como a elite pode continuar ‘mamando’ no Estado sem correr nenhum risco e eliminar a chance de mudança através do voto”, afirmou.

Para o sociólogo, esse momento de intensa crise reflete bem o esquema histórico montado pela elite do dinheiro, manipulando não só a classe média, mas retirando a possibilidade da sociedade como um todo refletir sobre seu cotidiano. “O que esse pessoal nos tirou foi a possibilidade de aprendizado da sociedade brasileira baseado na reflexão. Isso é impagável”, concluiu.

Visão de país para colaborar com o futuro do INI

A diretora do INI, Valdiléa Veloso, lembrou que este é o terceiro seminário preparatório para o planejamento estratégico do Instituto. O primeiro ocorreu em novembro de 2017 e teve como palestrante a pesquisadora Keyla Marzochi, idealizadora dos alicerces que regem a gestão do INI desde sua criação nos anos 80. “A Keyla foi uma pessoa crucial no processo de revitalização do nosso instituto, iniciado em 1985, na gestão do então presidente da Fiocruz, Sergio Arouca. No nosso planejamento estratégico pretendemos responder a três questões: de onde viemos, o que somos hoje e para onde queremos ir, com um horizonte até 2030. Neste sentido é fundamental entendermos melhor o nosso país, o que nós, como sociedade, somos hoje e o que estamos enfrentando. E ninguém melhor do que Jessé Souza para explicar esse momento”, destacou.

Segundo Valdiléa, Jessé tem se dedicado à árdua tarefa de explicar questões teóricas complexas de forma acessível para o público em geral. Após a apresentação, Valdiléa acredita que apesar de ainda existir intensa resistência fora das universidades e, principalmente nas periferias, “a cada dia existe mais gente entendendo a real situação que vivemos e tenho esperança de que a longo prazo vamos refundar esse país. A contribuição de Jessé Souza na articulação de todos esses conhecimentos será fundamental para tirar esses conceitos da academia e trazer para uma linguagem mais comum”, disse.

Para o assessor da Direção do INI, Valdir Ermida, "Jessé Souza é o pensador brasileiro mais importante do momento. Com 30 anos de experiência em pesquisas e diversas publicações em diferentes línguas, ele produz uma análise absolutamente original da realidade brasileira e faz Ciência com letra maiúscula, pois desconstrói um paradigma antigo substituindo-o por outro melhor, configurando-se como a primeira grande ruptura de paradigmas das Ciências Sociais brasileiras. Sua abordagem “reinventa” o Brasil e a forma como o brasileiro vê a si mesmo.  Neste sentido, seus ensinamentos são extremamente relevantes por fornecer elementos novos de análise, proporcionando inferências mais fidedignas do que pode vir a ser o futuro, objeto do Plano Estratégico que iremos construir no âmbito da unidade.", encerrou.

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