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11/09/2017

Sepse: um inimigo silencioso


Texto: Antonio Fuchs / Edição: Juana Portugal

A 70ª Assembleia Mundial da Saúde aprovou, em maio último, que a Sepse fosse incluída na lista de prioridades mundiais, instando os países membros a investir na melhoria de sua prevenção, diagnóstico e tratamento. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, anualmente, 31 milhões de casos são diagnosticados dos quais, aproximadamente, seis milhões são fatais. Mais conhecida como septicemia ou infecção generalizada, no Brasil, 30% dos pacientes internados com sepse morrem e esta taxa sobe para 55% no caso do chamado “choque séptico” (quando pressão é muito baixa e um distúrbio na circulação sanguínea compromete todo organismo). Mais conhecida como septicemia ou infecção generalizada, a sepse é alvo do desenvolvimento de um novo protocolo de prevenção e tratamento no Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas.

Confira a entrevista com a médica intensivista e coordenadora da Atenção de Pacientes Internos do Hospital Evandro Chagas do INI, Denise Medeiros, e saiba mais sobre a sepse, seus sintomas, formas de tratamento e o protocolo que está sendo implantado no Instituto.

O que é a sepse?

Denise Medeiros: Um dos problemas que enfrentamos quando falamos de sepse é a sua própria definição. Para o público leigo, o termo mais conhecido era a septicemia, ou a temida infecção generalizada. A partir de 1992 foi criado o termo sepse se referindo à resposta inflamatória do organismo a uma infecção, mas desde 2016 temos uma nova definição. Agora é considerada sepse a resposta desregulada a uma infecção que promove disfunção orgânica e risco de vida para o paciente.

O critério para dizer se o doente está com sepse, baseado apenas em sinais de inflamação, pode ser exagerado e não define a gravidade do caso. Por exemplo, uma criança que está com amigdalite, tem febre alta, taquicardia está com sepse? Pelo critério anterior sim, mas esta criança não esta em risco de vida e antibiótico em casa pode tratá-la. Por este motivo existia a classificação “sepse grave” para os casos em que a infecção produzia disfunção orgânica.

Conforme o conhecimento sobre a sepse foi aumentando percebeu-se que, na verdade, o que ocorre é uma resposta desregulada do próprio sistema imunológico, pois o dano a órgãos distantes do foco inicial não é causado pelo germe que provocou a infecção. Então, a inflamação pode ser uma resposta adequada à infecção, mas ela deixa de ser apropriada quando promove a disfunção.

O que é disfunção orgânica?

Denise Medeiros: Sinais de disfunção orgânica múltipla (também referida como falência de múltiplos órgãos, caracterizada pela deterioração aguda da função de dois ou mais órgãos) foram observados em pacientes com infecção que precisavam de internação e CTI, apresentando risco de vida. O paciente com sepse pode ter, a partir de uma pneumonia, por exemplo, uma alteração no rim ou confusão mental. Sinais como febre e batimentos cardíacos aumentados deixaram de ser os itens principais na avaliação para definir se uma pessoa está séptica ou não.

É possível ter sepse a partir de infecção urinária, pneumonia ou de um furúnculo. Até essa história de que uma espinha no nariz pode matar é plausível, porque pode virar uma sepse. Temos que pesquisar a disfunção orgânica que pode estar evidente no exame clínico ou depender de resultados laboratoriais. Como a doença é potencialmente fatal caso não seja diagnosticada precocemente e corretamente se propõe uma avaliação sistematizada em busca de sinais clínicos complementado com exames.

Quem estabeleceu essa nova definição para a sepse?

Denise Medeiros: Essas novas definições para sepse foram estabelecidas a partir de uma força tarefa das sociedades de terapia intensiva americana e europeia. Um banco de dados de cerca de 150 mil doentes com infecção foi analisado nos Estados Unidos. O mesmo ocorreu com dados da Europa, Canadá e Austrália. O Instituto Latino-americano de Sepse (ILAS) tem críticas sobre essas novas definições não terem incluído bancos de dados de países em desenvolvimento.   Foram analisados prioritariamente dados de atendimentos de urgência na chegada dos pacientes buscando os sinais que prediriam gravidade da infecção. Na verdade, temos dificuldade para obter dados dos atendimentos de urgência no Brasil, mas não acredito que haja muita diferença na sepse em países desenvolvidos e em desenvolvimento em relação ao sintoma. O nosso maior problema é a dificuldade de acesso. O atendimento rápido não está disponível em muitas ocasiões, por isso temos taxas de morbidade e mortalidade altas na Sepse.

Quais são os números da sepse no Brasil?

Denise Medeiros:  O último levantamento feito pelo Instituto Latino-americano de Sepse, em 2014, mostrava mortalidade de 30% na sepse e 55% no que chamamos de choque séptico (alteração na circulação que provoca pressão muito baixa e que afeta todo o organismo). Atualmente, a sepse é a principal causa de mortes nas unidades de terapia intensiva (UTI), matando mais que infarto do miocárdio e alguns tipos de câncer.

Qual é a situação da sepse no Hospital Evandro Chagas?

Denise Medeiros: Nós temos sepse como uma das principais causas imediatas de morte aqui no hospital, o que foi uma grande motivação para fazer o protocolo buscando identificar os pacientes  com sepse mais precocemente. Temos no INI, o grupo da Terapia Intensiva que estuda sepse e já tem trabalhos publicados, tanto no âmbito experimental, no Laboratório de Terapia Intensiva liderado pelo pesquisador Fernando Bozza, incluindo parceria com profissionais do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), quanto no âmbito clínico, com trabalhos publicados sobre sepse em pacientes com HIV atendidos no INI.

Um estudo publicado em 2011 mostrou que a sepse impactava mais no risco de morte dos pacientes que a situação imunológica avaliada pelo CD4 e carga viral. Em outro estudo publicado em 2013, que foi a tese de doutorado do Dr. Rodrigo Amâncio, vimos que a resposta inflamatória dos pacientes com infecção pelo HIV avaliada com biologia molecular (citoquinas) era semelhante à de um paciente sem HIV. Isto é importante inclusive para criarmos um protocolo semelhante ao que já existe em outros hospitais. Mesmo sabendo que a causa básica que fez o paciente ficar doente é a Aids, a causa final e imediata é a sepse.

Além disso, há essa motivação global para o combate a essa enfermidade. Este ano, a Organização Mundial de Saúde incluiu a sepse nas prioridades de saúde. Os países que integram OMS estão sendo incentivados a adotarem medidas aprovadas em Genebra. Existem também diversas iniciativas globais com foco na sepse como a Surviving Sepsis Campaign, no ar desde 2002.

Nós, como Instituto Nacional de Infectologia, valorizamos isso e tentamos entrar nesse processo da forma mais estruturada possível. É isso que pretendemos com o protocolo de combate à sepse. Atendemos uma população mais suscetível a esse problema porque são pacientes imunossuprimidos, e não é apenas pelo HIV. O paciente com doença de Chagas cardiopata e idoso, também é mais suscetível, o paciente com infecção por HTLV e paraplégico acaba sendo internado por infecção urinária e sepse, e mesmo doenças mais raras, como a malária, também provocam um quadro de sepse que merece muita atenção, além do tratamento específico.

Mesmo com todos os cuidados, por que temos sepse no hospital?

Denise Medeiros: O paciente já pode chegar com sepse ou ela pode surgir devido a uma infecção hospitalar. Esta última pode desenvolver-se devido ao uso de dispositivos ou medidas invasivas necessárias para o diagnóstico e tratamento do paciente. No CTI podemos ter sepse por conta de infecção de cateter ou Pneumonia associada a ventilação mecânica, por exemplo. 

Nosso principal foco no protocolo é a detecção e tratamento rápido para quem chega com sepse, mas também  temos ações para prevenir sua ocorrência.

Os protocolos para sepse estão sendo elaborados?

Denise Medeiros: O protocolo de sepse já existe e sua implantação se inicia agora no mês de agosto. A proposta é de melhoria continua, ou seja, na prática veremos o que precisa ser revisto.  O protocolo para prevenção de infecção de cateter já existe também e está sendo revisado.

Temos previstas diversas iniciativas como a capacitação profissional, publicidade e a padronização das ações ligadas a procedimentos para prevenir as infecções. Nosso maior foco, nesse primeiro momento, é detectar e tratar rapidamente o paciente que chega com sepse.

O atendimento imediato ao quadro de sepse é fundamental para salvar uma vida?

Denise Medeiros: Exatamente. Existe uma questão na sepse muito importante que é o tempo que o paciente leva para receber a primeira dose de antibiótico diante de uma infecção generalizada. Quanto mais curto esse tempo, melhor para o paciente e maiores são a chances não apenas de sobrevivência, mas também de ter menos disfunções orgânicas, diminuir o tempo de internação e, em consequência, os impactos nos custos para o SUS. Inclusive, nas ações que se fazem de combate à sepse pelo mundo, defende-se a ideia de que tem que haver um indicador de qualidade que é o tempo porta-antibiótico, que é o tempo que o paciente leva entre chegar, ser diagnosticado e receber o antibiótico. É algo semelhante ao que existe para hospitais com cardiologia que atendem infarto do miocárdio, onde existe um indicador que é o tempo porta-balão. O paciente chega, é diagnosticado com infarto, e existe um tempo medido até ele chegar ao cateterismo. Esse é um indicador de qualidade.

No nosso protocolo temos como objetivo que, ao haver suspeita de sepse no paciente que está dando entrada, ele seja rapidamente encaminhado para a coleta de exames e que receba a primeira dose de antibiótico ainda no pronto atendimento. Quanto mais curto esse tempo, melhor. Vamos medir isso e estamos tentando equacionar o que pode ajudar dentro do laboratório, da farmácia, além da equipe de enfermagem e médica.

Queremos diminuir a mortalidade e a morbidade para o paciente. A infecção não controlada resulta na disfunção orgânica múltipla e as ações que forem adotadas rapidamente, na chegada dos doentes, possuem grande impacto. Se você detecta que a pessoa tem sepse, além do antibiótico rápido, também vai corrigir a pressão baixa, repondo soro e, consequentemente, os danos à saúde do paciente são reduzidos.

Qual é o público alvo do protocolo?

Denise Medeiros: O protocolo é para que equipes dos diferentes setores do INI identifiquem e tratem a sepse mais rapidamente. O principal local de chegada é o pronto atendimento, o nossa prioridade nesse momento, mas como há a possibilidade de se adquirir sepse no hospital deve funcionar também dentro da enfermaria/internação. Pretendemos expandir também para os ambulatórios, Hospital Dia ou qualquer ambiente que esteja recebendo pacientes, para que nossos profissionais tenham um olhar mais acurado, possam reconhecer o paciente com sepse e tomem as medidas necessárias.

Quais são as dificuldades para identificar a sepse?

Denise Medeiros: Essa é uma questão muito importante. A definição atual de sepse vinculou sua presença à disfunção orgânica, buscando quais sinais poderiam facilitar a detecção disso. Percebeu-se que nos pacientes com infecção três fatores marcavam a gravidade (risco de morrer ou ir para o CTI) e o doente que tivesse dois desses três indicadores deveria ser avaliado mais rapidamente: confusão mental, frequência respiratória acima de 22 por minuto e uma pressão arterial máxima menor que 100mmHg. Nos pacientes idosos precisamos ter mais atenção.

Qual é a particularidade desses pacientes?

Em geral, quando um idoso apresenta confusão mental a tendência é que o profissional deduza que ele já era assim. É muito importante que as equipes de atendimento estejam preparadas para perceber e esclarecer se algo mudou no idoso, o que é mais fácil se um acompanhante estiver junto. Melhorar essa percepção da confusão mental no idoso, definindo se é agudo ou crônico, é muito importante para o diagnóstico. Frequentemente, um dos primeiros sintomas da sepse é a confusão mental e isso vale tanto para o idoso quanto para os jovens, mas nas pessoas jovens esse sinal chama muito mais a atenção.

Os três sintomas citados acima são fundamentais para o gerenciamento da sepse?

Denise Medeiros: É importante destacar que não são estes sintomas (confusão mental, respiração acelerada e pressão baixa) que definem sepse. Não é isso. A presença de dois desses três prevê que esse paciente é mais grave, tem risco para a sepse, mas isso também pode ser uma embolia de pulmão, um AVC. Não é possível afirmar que é sepse.

Para a triagem é importante porque, neste caso, ele tem que fazer mais exames rapidamente. Os exames complementam a detecção da disfunção orgânica, que confirma o diagnóstico da sepse. Tem disfunção orgânica que é óbvia. O paciente está com muita falta de ar por conta de uma pneumonia e isso é disfunção respiratória. Mas em algumas situações, como infecção urinária que está afetando o rim, você só vai saber com o exame de sangue. O gerenciamento da sepse é isso: você colhe os sinais, analisa os sintomas e se suspeita de sepse, aciona o laboratório e inicia o antibiótico.

O protocolo envolve as equipes como um todo?

Denise Medeiros: Sim, o protocolo envolve não só os profissionais da assistência, como médicos e enfermeiros, mas também os profissionais de laboratório e farmácia. A equipe de farmácia é muito importante porque o antibiótico está disponível no hospital, mas não estava no pronto atendimento. No momento que o doente chega, você tem que reduzir o tempo para ele receber o antibiótico. Então a farmácia tem que deixar um kit de antibióticos no pronto atendimento que será reposto sempre que usado. No caso da equipe do laboratório, eles têm uma hora para coletar o sangue e fazer o exame que melhora a detecção do germe que causa a infecção sem atrasar o antibiótico. Para o bom funcionamento do protocolo precisamos de todas as equipes

Quando e de que forma o protocolo começará a ser implementado?

Denise Medeiros: Temos um módulo de ensino a distância (EAD), na plataforma moodle, já disponível para os profissionais do INI e, uma vez completado, será realizado um treino prático no pronto-atendimento ainda em agosto. Temos também uma ficha guia para o protocolo que servirá para coleta de indicadores. A formatação que estamos dando pode ser modificada na medida que trabalharmos com nossas equipes. Não é um protocolo fechado.

Como falei antes, o envolvimento é multidisciplinar. A EAD foi aberta para outras categorias profissionais, com objetivo de ampliar o conhecimento sobre o tema, mas a enfermagem e os médicos são a prioridade do treino prático e serão capacitados para o preenchimento da ficha, que será coletada para monitorar o resultado e podermos dar feedback à equipe, tanto para apontar falhas e, se necessário, repetir o treinamento, mas também parabenizar o bom resultado se o atendimento foi bem feito. Esse retorno é muito importante para chegarmos a um protocolo definitivo e motivar a nossa equipe.

Quantas pessoas devem participar dessa capacitação?

Denise Medeiros: Nós pretendemos fazer o treinamento prático para cerca de 40 pessoas, iniciando com médicos e enfermeiros. E, como disse, o prático só ocorre conforme a pessoa completa a EAD. A prioridade, nesse momento, são as equipes do pronto atendimento e da internação, incluindo os residentes e estagiários.

A sepse é pouco conhecida no Brasil?

Denise Medeiros: Foi feita uma pesquisa no Brasil, pelo instituto Datafolha, para testar o conhecimento da população sobre sepse. A conclusão é que apenas 7% dos brasileiros sabem o que é sepse. Na Alemanha, por exemplo, esse número sobe para 49%. Por isso considero importante a divulgação da doença e desse protocolo, não só para profissionais de saúde, mas para toda a população.

Qual é a importância da divulgação da sepse para o público em geral?

Quem tem uma pessoa idosa em casa, com febre, que tenha sinais de confusão mental, deve saber que isso pode ser consequência de uma infecção. Então, quanto mais a população estiver informada, mais rapidamente buscará ajuda no sistema de saúde. As pessoas precisam ser conscientizadas de que a sepse é uma situação de emergência. Não é algo banal e não devem automedicar-se em casa.

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