Julliana Reis | Ed. Alexandre Magno
O Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) encerrou suas atividades em celebração pelo Dia Nacional da Visibilidade Trans na última sexta-feira (07/10), com a apresentação dos resultados dos projetos HPTN 091 e Brilhar e Transcender (BeT), executados pelo Instituto, e também dos dados dos atendimentos do Programa Justiça Itinerante, que opera dentro da Fiocruz. Foi apresentada ainda uma pesquisa pioneira realizada pelo Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans/RJ), em parceria com a Fiocruz Piauí, intitulada de Travestilidades Negras: movimento social, ativismo e políticas públicas.
A pesquisadora e diretora do INI, Valdiléia Veloso, em seu discurso de abertura do evento, ressaltou o pioneirismo do Instituto na promoção de pesquisas clínicas voltadas para a população trans e elaboradas com sua participação. "Nenhum projeto do INI que envolve a comunidade é feito sem que a gente escute e chame essas pessoas para construírem conosco as nossas pesquisas. Porque sem isso, não teremos sucesso. Para que servirá o resultado de uma pesquisa sem a comunidade?", destacou.
Com transmissão ao vivo pelo canal do YouTube do INI (https://bit.ly/40WH4XE), a programação do evento também contou com mesas de debates, apresentações artísticas e homenagens a parlamentares, ativistas e instituições que se destacam na promoção e na defesa dos direitos das pessoas trans. É o caso da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB/RJ), que pontuou a relevância de um evento como esse para respaldar a produção de políticas públicas baseadas na real conjuntura da sociedade. "Quando a própria sociedade se movimenta, constrói os seus fóruns de organização, constrói as suas coletividades, constrói a sua linguagem, é necessário que a cabeça das instituições se abra para incorporar esses dados e essa realidade para errar menos”, disse a parlamentar.
Também foram homenageadas as parlamentares Erika Hilton (PSOL/SP), Dani Balbi (PCdoB/RJ), Duda Salabert (PDT/MG), Carolina Iara (PSOL/SP), Livia Miranda (PCdoB/RJ), Giovanna Venture (Solidariedade/RJ) e Benny Briolly (PSOL/RJ), além da Secretária Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ Symmy Larrat, da ativista social e líder da Casa Nem Indianarae Siqueira, e da Coordenadora da Diversidade Sexual (CDS Rio) Diana Conrado.
Resultados dos Projetos
O INI/Fiocruz integra o estudo internacional HTPN 091, voltado para a população trans. Conhecido como Eu Sou, o projeto apresentado no evento integra a rede HIV Prevention Trials Network (HPTN), financiada pelo NIH dos EUA, tendo como objetivo a investigação sobre a viabilidade de uma abordagem integrada para aumentar o uso e a adesão à Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) entre travestis e mulheres trans. As participantes tinham uma média de idade de 28 a 35 anos e 86% concluíram o estudo 091. Foi ressaltado ainda que 54% das participantes enfrentavam algum tipo de insegurança alimentar e 50% estavam em situação de extrema vulnerabilidade social.
Ao apresentar os resultados do estudo, a educadora comunitária do LapClin Aids do INI, Laylla Monteiro, enfatizou a importância de ter pessoas trans envolvidas ativamente no planejamento das pesquisas, na execução e na análise dos dados. “O envolvimento da comunidade garante que as pesquisas sejam mais representativas e inclusivas. Quando participamos das pesquisas, conseguimos mostrar com números e evidências o impacto das desigualdades e as necessidades da nossa população”, reforçou.
O segundo estudo capitaneado pelo INI foi o Brilhar e Transcender (BeT), desenvolvido em parceria com o Departamento de Saúde Pública de São Francisco e com a Universidade de São Francisco (EUA), que abordou questões relacionadas às pessoas trans em seu dia a dia, pensando em um contexto amplo de saúde. A média de idade das participantes foi de 18 a 24 anos, e o projeto tinha como objetivo aumentar a prevenção, incluindo o uso da PrEP, e tratamento ao HIV.
O BeT analisou a navegação de pares, modelo de suporte que consiste em pessoas trans e travestis que ajudam outras pessoas trans a acessar à saúde, garantindo acolhimento e atendimento respeitoso. Com uma retenção bastante elevada, o estudo conseguiu provar a importância do engajamento comunitário nas pesquisas clínicas.
Travestilidades Negras
A pesquisa inédita Travestilidades Negras: movimento social, ativismo e políticas públicas, apresentada pelo Fonatrans, tem como objetivo evidenciar as diferenças no acesso às políticas públicas da população trans negra do Brasil. O Fórum foi representado por sua presidente Jovanna Baby, que frisou a importância de entender a luta pela visibilidade das pessoas transexuais como uma pauta coletiva.
“As instituições precisam atuar na ponta, porque mais de 90% das nossas e dos nossos não estão aqui, não são visibilizados, não são lembrados e não são acolhidos”, explicou Jovanna. “Nós precisamos falar a língua da população de travestis e transexuais do Brasil que é, em sua maioria, preta, que não é acadêmica e que está esquecida". Nesse sentido, a presidente da Fonatrans enfatizou o papel fundamental da Fundação Oswaldo Cruz em assegurar o acesso à saúde pública de qualidade para pessoas transexuais. “Pela primeira vez na história, 80% da população trans está tendo acesso aos serviços de saúde, e muito disso é graças a Fiocruz”, apontou.
Durante os debates, diversas personalidades agradeceram e homenagearam a trajetória de Jovanna Baby na luta pelos direitos da população trans. Não à toa que a Universidade Federal Fluminense (UFF) escolheu a presidente do Fonatrans para dar nome ao primeiro Centro de Memória Trans do país, que é um projeto que visa preservar e divulgar a história da comunidade trans e travesti no Brasil. A universidade também é pioneira na implementação da política de cotas trans, como contou Ariela Nascimento, articuladora da Rede Trans UFF e assessora parlamentar da vereadora Benny Briolly (PSOL/RJ).
Emocionada com a materialização do evento, a educadora comunitária do Instituto e coordenadora estadual do Fonatrans/RJ, Thaylla Vargas, falou sobre o quão substancial é poder ocupar um espaço na Fiocruz e ser exemplo para tantas outras iguais a ela. “O INI para mim é muito importante porque foi a primeira instituição que abriu as portas e que me deu essa oportunidade de me tornar quem eu sou. Foi onde eu acabei me capacitando mais e mais para conseguir ocupar os lugares da melhor forma possível”, concluiu.
Veja também
Veja mais sobre o assunto