Diretor do INI fala sobre parceria com a Unitaid, saúde global e a importância da inovação

O diretor do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), Estevão Portela Nunes, apresentou a parceria histórica que o Instituto tem com a Agência de Saúde Global, Unitaid, durante a visita que o seu diretor-executivo Philippe Duneton fez à Fiocruz na última sexta-feira (27/6) para conhecer outras áreas de atuação da Fundação.
Criada em 2006 por Brasil, Chile, França, Noruega e Reino Unido, a Unitaid é uma organização internacional que conta com o apoio da Organização Mundial da Saúde e tem por objetivo promover projetos que objetivam ampliar o acesso a medicamentos a preços reduzidos, em particular para HIV/aids, tuberculose e malária em países de baixa e média renda.
Em um cenário global marcado pela urgência na busca por respostas para as doenças negligenciadas e pelas mudanças no financiamento da pesquisa clínica, o INI/Fiocruz fortalece seu protagonismo por meio de parcerias estratégicas. Com base nisso, o diretor do INI, Estevão Portela, destaca os principais projetos em curso com a Unitaid — como o ImPrEP, voltado à prevenção do HIV, e o Cuida Chagas, sobre a transmissão vertical da doença de Chagas —, além de refletir sobre os desafios da inovação em saúde pública e a importância de garantir que as novas tecnologias cheguem a quem mais precisa. O diretor ressalta ainda o compromisso da Fiocruz com a ciência aplicada, a equidade no acesso ao cuidado e o engajamento com redes internacionais para enfrentar os grandes desafios da saúde pública.
Qual é a importância estratégica da parceria com a Unitaid?
A colaboração com a Unitaid tem sido estratégica diante das mudanças globais nos fluxos de financiamento em pesquisa clínica. Por exemplo, a instabilidade na alocação de recursos por parte do governo americano afeta diretamente muitos projetos. Mas a ciência não pode parar. A busca por parceiros e fontes de fomento alternativas é vital para garantir a continuidade dos estudos e a implementação de novas tecnologias no SUS.
A Unitaid é um ator-chave nesse cenário. Seus focos de atenção coincidem com áreas prioritárias para o INI, e historicamente temos um forte engajamento nelas. Temos uma equipe profissional altamente qualificada, um legado de contribuição ao SUS e à pesquisa internacional, além de uma conexão sólida com os movimentos sociais — o que fortalece ainda mais nossa capacidade de cooperação com parceiros como a Unitaid.
A recente visita do diretor-executivo da Unitaid, Philippe Duneton, à Fiocruz contou com a presença de representantes de várias unidades estratégicas da Fundação. Qual é a importância dessa participação para o fortalecimento de colaborações?
A presença de representantes de outras unidades é fundamental para pensarmos em colaborações institucionais com outras unidades e vice-presidências. Nesse contexto, a Unitaid ocupa uma posição extremamente estratégica, especialmente quando consideramos as áreas de interesse mútuo: HIV, tuberculose, arboviroses — como malária e dengue — e saúde materna. Há um amplo potencial de cooperação nessas frentes.
Quais são os principais projetos do INI em parceria com a Unitaid?
Temos dois projetos de grande relevância em andamento. O primeiro é o ImPrEP Brasil, voltado à implementação da profilaxia pré-exposição (PrEP) contra o HIV. Esse projeto é multinacional, envolvendo também México e Peru, e já se encontra em uma fase avançada, com estudos sobre agentes de longa duração. Trata-se de um trabalho coeso, conduzido com muito êxito por nossa equipe, com resultados já apresentados em conferências internacionais e publicados em periódicos de alto impacto.
Dentro do ImPrEP existe uma iniciativa com foco na hepatite C, especificamente no desenvolvimento de uma estratégia de diagnóstico itinerante. Para alcançar a meta de eliminação da hepatite C estabelecida pela OMS, precisamos expandir significativamente a capacidade diagnóstica. Hoje, ainda temos um número muito reduzido de pacientes diagnosticados e engajados em tratamento, o que mostra a urgência de intervenções como essa.
O segundo projeto de destaque é o Cuida Chagas, que chamamos informalmente de “Chagas materna“, voltado ao enfrentamento da transmissão vertical da doença de Chagas. Essa é uma situação ainda muito negligenciada na América do Sul. Estima-se que centenas de casos de transmissão vertical ocorram anualmente no Brasil, por exemplo, mas há pouquíssima notificação. Esse projeto envolve parcerias com países como Bolívia, Colômbia e Paraguai, e utiliza modelos de diagnóstico rápido voltados a mulheres em idade fértil.
Além disso, há desdobramentos previstos, como estudos randomizados e testes de medicamentos. Graças ao projeto, aprendemos muito sobre o cenário da doença de Chagas na região, o que tem permitido propor estratégias com real impacto na redução da transmissão vertical.
Como essas experiências ilustram o potencial de inovação e colaboração na saúde global?
Os projetos ImPrEP e Cuida Chagas demonstram claramente o potencial transformador de nossa colaboração com a Unitaid. São áreas em que há imenso espaço para a inovação — não apenas tecnológica, mas também na forma de organizar o cuidado. As doenças que enfrentamos hoje, como HIV e tuberculose, têm forte relação com determinantes sociais e afetam populações altamente vulnerabilizadas.
Por isso, a inovação precisa ser pensada não apenas em termos de tecnologias de ponta, mas também no que se refere a como garantir que essas soluções cheguem às pessoas que mais precisam. A inovação que gera impactos profundos pode estar em projetos simples, como aqueles que aprimoram a comunicação e a conexão entre serviços e comunidades. A implementação dessas inovações, inclusive, faz parte do nosso plano de gestão, elaborado em diálogo com a comunidade.
